sábado, 16 de outubro de 2010

Leonardo e o Sujeito do Discurso

Leonardo não conseguia parar. Olhava e olhava. A cada olhar a sensação de prisão aumentava. Sua culpa, sua máxima culpa, aprendida durante a infância o apresentava para o Juiz do Tribunal de sua Consciência. Dedos apontavam na sua direção. Vergonha, culpa e sentimento de impotência digladiavam entre si pela sua mente. Sentia-se pequeno diante daquele espetáculo montado. O povo que estava sentado na platéia atrás de Leonardo parecia fulminá-lo. Sente uma pressão na nuca. Será alguém apontando ? Para fugir deste ambiente hostil começou a lembrar da atmosfera dos livros de Kafka. As contradições do sistema, os absurdos dos comportamentos legais e amplamente apoiados por uma massa de ignorantes que sabem – olha só o absurdo! - reproduzir comportamentos silenciosos que asseguram o poder...

Nasce um sorriso no rosto de Leonardo. Uma pequena lufada de vento revela que algo se aproxima e parece ser uma solução. Talvez a solução final. Sua cabeça pende sobre o queixo. Olha mais uma vez para o palco armado e vomita. Lembra do senador Roark numa fala significativa ao policial Hartigan, personagens do filme Sin City de Frank Miller: “O que você conseguiu realizar deve ter feito sentir-se poderoso. Mas o poder não vem de um distintivo ou uma arma. O poder vem da mentira. Você inventa uma grande mentira e o mundo todo aceita suas lorotas. Depois que você faz todo mundo concordar com o que, no íntimo, eles sabem que é mentira, você tem eles nas mãos."

Levanta a cabeça e não consegue enxergar. O holofote está apontado para o seu rosto. Seus olhos doem e percebe que está numa sala escura. Sabe que não tem muito tempo e reúne forças para o ultimo ato de vontade livre. Sua cabeça não para e busca ansiosamente por um motivo. Lembra de Foucault: um sistema de ensino não passa de uma ritualização da fala, uma qualificação e uma fixação dos papéis dos sujeitos falantes[...]

Entende que se perdeu em um destes papéis. Mesmo assim havia um incômodo, um mal estar que o levava sempre em frente, em busca de um significado maior, livre, espontâneo. Não queria ser igual a Roark ou a Hartigan, apesar que este ultimo despertava nele uma simpatia por ser um combatente solitário. Leonardo queria ser ele mesmo. Mas como ? Em sua trajetória acabou descobrindo que sua maneira de ser não era aceita e muito menos havia espaço para se expressar. Ou reproduzia o discurso da igualdade e submetia-se aos papéis criados ou simplesmente mandava tudo a merda. Sente-se condenado. Olhou para o lado e viu um policial com o coldre onde repousava uma 9mm. Num salto pega a 9 mm e leva a arma até a boca e e grita: - a ultima escolha é minha! Uma voz calma e profunda se insinua do canto escuro da sala:: - Será mesmo ?

Uma pessoa com um capote negro e chapéu sai das sombras e segue: - será que esta situação, este palco montado não servem a este propósito ? Será realmente que teu ato de liberdade não estará servindo a  outra razão? Não há saída, pensa Leonardo. Nem mesmo minha escolha pode fazer a diferença pois estou  limitado por circunstâncias alheias. Fui conduzido até agora. Em nenhum momento conseguirei me livrar. Pois bem! Passo a vive-la. Não por escolha. Por não haver saída. Talvez a encontre na cela mais profunda da minha mente, na prisão mais tenebrosa. Não há saída senão aprisionar-se para desejar e lutar . A rendição e a entrega neste momento passam a fazer parte de mim.

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