Angustiado Denis procura por compradores. Possui no bolso dois Viagras e três camisinhas. Precisa de dinheiro pra fumar mais uma pedra. Magro, sujo e com um discurso que contradiz completamente a liberdade de criar seu próprio estilo de vida. Pois é. Usar drogas, para nós e apenas para nós dependente químicos, não parece ser um estilo de vida. Submetido a vontade doentia de usar mais e mais não consegue pensar de maneira clara sua maneira de viver no mundo. Não trabalha, mora sozinho, alimenta-se a cada dois dias. Seus familiares não confiam mais nele. O recebem com a porta da frente entre aberta e com “pega ladrão”. Denis me encontra na madrugada (trabalho como taxista a noite) e começa a se desculpar.
- Porra Daniel! É foda. Tenho que sobreviver todos os dias. Tenho quatro peças de roupas, não tenho dinheiro e a vontade de usar tá enorme. Não consigo resistir. Olho pra ele e pergunto:
- Cê quer parar de usar ? Silêncio. Seus olhos parecem hesitar quando olha nos meus e balbucia:
-....não...
- Então porque reclama ? pergunto. Ele percebe a contradição. Vira as costas pra mim e desparece. Dez minutos depois aparece com o sorriso no rosto:
- Vendi o Viagra e as camisinhas por oito reais. Ele diz:
- Daniel, eu sei que estou errado, mas ainda não quero parar. Vou tentar controlar meu uso. Lembrei a ele umas das verdade inexoráveis da dependência química:
- Denis, sabes que estás tentando te enganar. Você conhece a “função”. Depois da primeira o desejo aumenta exponencialmente. Lembra ? É só lembrar dos últimos usos. Depois de terminar a porcaria você se diz que não iria mais usar ou pelo menos diminuir a quantidade. Me conta o número de vezes que tu conseguiu parar ou reduzir ?
- É. Tens razão...mas vou tentar.
- Ok. Tens todo o direito de tentar. Acredito na tua força, na tua determinação. Mas lembre-se que toda força e determinação se esvai numa tragada, num “pega”. A diferença entre o dependente químico e o usuário usual está em saber a hora de parar. Pra nós dependentes químicos não há como utilizar a razão pra avaliar riscos e danos. Precisamos parar para poder pensar. Não há como entrar uma ideia nova em uma mente fechada, como está descrito em qualquer literatura de recuperação. É preciso que dês uma chance pra tí mesmo.
- Sim, é verdade. Mas, mas, ah! Que se dane. Tô fudido mesmo. Se despede. Dobra a esquina e desaparece. Me deixa pensando:
“Os mesmos discursos, a mesma hesitação, a ilusória ideia do controle, a falta de sonhos e projetos, e principalmente a descrença em sua própria capacidade, escondida pela ilusão da auto suficiência.. Assim caminha um dependente químico. Ele possui uma condição que os não-dependentes não possuem: o descontrole. Esta característica faz com que fique cada vez mais doente. Saber dizer não é ato de coragem, de auto disciplina e principalmente de querer. Não há recuperação pra aquele que não quer. Por isso é necessário, que cada um de nós, que esteja em recuperação procure respeitar a escolha de cada um e valorizar a capacidade de escolha de todos. Por isso precisamos estarmos juntos para sermos os olhos e os ouvidos de Um e de Outro, com amorosidade, compaixão e determinação. Sim, me vejo nele. Como um reflexo do passado que emite um lembrete: - Sou um adicto e continuo adicto. Preciso tanto de vocês quanto preciso da própria vida.” Entro no carro e escuto a música...
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