II
Passado dez dias Raissa liga para o meu celular:
- Johannes, quero me encontrar contigo, mas que seja fora da cidade. Existe um camping chamado "Camping do Moinho" perto do Recanto dos Coswig. Necessito de natureza. Das mais belas.
Tive que desmarcar meus atendimentos de amanhã. Seu pedido gentil misturado a tonalidade de uma voz nervosa e infantil me deixavam com mais desejo de vida.
- Sim. Concordo. Sem ninguem para nos incomodar.
Marcamos o encontro na parada próximo ao Pronto Socorro e pegamos o ônibus das 13:15 em direção ao Arroio do Padre. Brincavamos nos ultimas poltronas daquele ônibus velho, entre beijos e chocolates. Sentia-me satisfeito, feliz. Enxergava o amor ali, entre nós, dirigindo nossa relação. Não pude deixar de pensar nisso. No princípio que regula uma relação.
- Raissa, preciso lhe falar sobre minhas preocupações. Peço que tenhas paciência sobre o que vou te falar. Na realidade tentarei ver o que está acontecendo entre nós. Escutas ? responde: - Meu inquieto Johannes! Não te atormentes com estes pensamentos. Logo após endurece sua fisionomia e por alguns segundos me olha diretamente nos olhos e diz: - Sim! Te escutarei, pois se não o fizer ficarias insatisfeito e isto afetaria nosso dia. Não quero que nada estrague este dia.
Deito cabeça no banco do ônibus com a mão de Raissa sobre minha mão. Penso e logo começo a descortinar o palco onde meu verme, el mio diavolo, começa a atuar. Mais uma vez as circunstâncias afetam minhas emoções e influenciam minhas decisões. Percebo que luto contra emoções exaltadas e contra teorias modeladoras da realidade. Vejo que, por vezes perco, por outras ganho. Talvez esta seja a sensação que me ilude. Lutar significa não aceitar que uma parcela minha é construída pelo Outro. A idéia de construír uma visão, uma maneira de viver que nunca foi prevista, construída e estudada é minha energia de fundo. Ser original. Ser único! Desejo bom! Pensando bem não existe originalidade. O que existe são modelos que podem ser previstos dentro do comportamento humano. Ah este desejo de ser único, de pensar diferente, de estar fora das leis que regem a fisiologia. Impossível. E diante desta impossibilidade me encontro frustrado.
- Raissa, acreditas que estamos presos a leis que regem o corpo? Ao ambiente em que vive este corpo e tudo o que cerca ? Acreditas realmente que podemos ficar sem comida ? que realmente podemos nos abster do sexo sem pagar um alto preço ? Que em nome da espontaneidade deixaremos de ter rotinas limitadoras, modeladoras ? Ah! Esta minha pulsão me leva para algo grandioso, delirante, faminto de originalidade. Lembro cenas da minha infância. Era um menino de oito anos, cheio de energia e pretensões fantasiosas. Estas pretensões me levaram a tomar uma atitude louca. Enfiei o dedo na "tomada de luz". Antes de cair atordoado gritava: - Sou diferente! Sou diferente! Claro, minha fisiologia venceu minha pretensão! Não fui preparado pela natureza para aguentar 220 volts. Lembro ainda que, após assistir o seriado Batman, aquele dos anos 80 - na realidade era dos do final dos anos 60! - cheio de onomatopéias coloridas, subi no telhado de casa e me atirei gritando: - Sou o Batman! Ganhei contusões e inchaços. Idéias barradas pelas limitações da fisiologia, do meu corpo. O legal foi poder vivenciar esta minha limitação. Nunca mais tentei enfiar o dedo na tomada e muito menos pular de cima da casa. Entendí que não posso fazer tudo o que quero. Esta é uma certeza: que todas as ações tem limites. Veja, por exemplo, os esportes radicais . Eles são radicais porque o limite de segurança foi reduzido ao ponto de aumentar o risco de morte. A sensação da possibilidade de arriscar a vida é o que motiva. Saltar de um penhasco gera adrenalina porque todo o teu corpo se coloca em posição de preservação extrema da vida. Não é uma desobediência a uma regra estabelecida e sim, um teste de nossos limites. Não podemos nos enganar. Ficar 15 dias sem comer é o máximo atingido. No "base jump" o máximo é pular de paraquedas com mínimo de altura e não sem eles. Estes limites estão visíveis para aqueles que sabem olhar a realidade. Olhar a realidade não é para todos.
Silêncio. Ela se vira e permanece voltada para a paisagem que passa pela janela do ônibus. Campos verdes com pequenas flores amarelas espalhadas por todo campo. Estavamos no período de entresafra.
- Meu pai disse-me que quando brotam estas flores amarelas nos campos verdes é sinal de fome, miséria. Deve-se esperar pela novo período de preparo e plantio.
Foi a ultima coisa que escutei. Distanciei-me. Logo, mio diavolo já estava outra vez aprontando na minha mente.
Veio a Filosofia, através desde estado, pobremente explicável, que é a curiosidade ou admiração . Ambos um estado emocional. Através destes sentimentos vieram os primeiros escrutadores que aprenderam a ler a realidade. Alguns séculos mais tarde começaram a testá-la. Francis Bacon cunhou a frase: "O mundo é o livro que precisa ser lido". Quando nos deparamos com uma contradição, - por exemplo, "sou livre mas estou limitado por leis" -, esta gera mal estar que chama-se, no campo da Psicologia de conflito. Na Lógica e no Direito possui o nome de "antinomia". Agora no campo da psicologia pergunto como este princípio se manifesta na relação Sujeito e Objeto. A unica certeza que dispomos é que esta relação existe. O que me lembra de mais uma pensador chamado Ortega y Gasset que sintetizou esta relação em uma frase: "Eu sou eu e minhas circunstâncias". Veja bem, se temos o principio da antinomia atuando sobre a relação entre Eu e o Objeto algo deve acontecer. Como explicar a liberdade diante das prisões ? Como explicar a morte diante da vida ? Como explicar a espontaneidade diante da disciplina ? Percebe-se então que o mal estar nasce de uma necessidade de entendimento. E o caminho para tal começa na aceitação de que nossas escolhas, nossos projetos estão submetidos a uma série de circunstâncias de caráter positivo/negativo e que, senão aplicarmos um dos métodos filosóficos, neste caso a dialética, iremos sofrer a frustração. Ou seja, não escapamos da leitura de uma teoria para compreender a realidade. Também a teoria não escapa da conclusões de nossas experiências. Teoria e Experiência se completam.
Ela olha pela janela do ônibus em movimento e distante exclama:
- Johannes, você continua se iludindo!
- Johannes, quero me encontrar contigo, mas que seja fora da cidade. Existe um camping chamado "Camping do Moinho" perto do Recanto dos Coswig. Necessito de natureza. Das mais belas.
Tive que desmarcar meus atendimentos de amanhã. Seu pedido gentil misturado a tonalidade de uma voz nervosa e infantil me deixavam com mais desejo de vida.
- Sim. Concordo. Sem ninguem para nos incomodar.
Marcamos o encontro na parada próximo ao Pronto Socorro e pegamos o ônibus das 13:15 em direção ao Arroio do Padre. Brincavamos nos ultimas poltronas daquele ônibus velho, entre beijos e chocolates. Sentia-me satisfeito, feliz. Enxergava o amor ali, entre nós, dirigindo nossa relação. Não pude deixar de pensar nisso. No princípio que regula uma relação.
- Raissa, preciso lhe falar sobre minhas preocupações. Peço que tenhas paciência sobre o que vou te falar. Na realidade tentarei ver o que está acontecendo entre nós. Escutas ? responde: - Meu inquieto Johannes! Não te atormentes com estes pensamentos. Logo após endurece sua fisionomia e por alguns segundos me olha diretamente nos olhos e diz: - Sim! Te escutarei, pois se não o fizer ficarias insatisfeito e isto afetaria nosso dia. Não quero que nada estrague este dia.
Deito cabeça no banco do ônibus com a mão de Raissa sobre minha mão. Penso e logo começo a descortinar o palco onde meu verme, el mio diavolo, começa a atuar. Mais uma vez as circunstâncias afetam minhas emoções e influenciam minhas decisões. Percebo que luto contra emoções exaltadas e contra teorias modeladoras da realidade. Vejo que, por vezes perco, por outras ganho. Talvez esta seja a sensação que me ilude. Lutar significa não aceitar que uma parcela minha é construída pelo Outro. A idéia de construír uma visão, uma maneira de viver que nunca foi prevista, construída e estudada é minha energia de fundo. Ser original. Ser único! Desejo bom! Pensando bem não existe originalidade. O que existe são modelos que podem ser previstos dentro do comportamento humano. Ah este desejo de ser único, de pensar diferente, de estar fora das leis que regem a fisiologia. Impossível. E diante desta impossibilidade me encontro frustrado.
- Raissa, acreditas que estamos presos a leis que regem o corpo? Ao ambiente em que vive este corpo e tudo o que cerca ? Acreditas realmente que podemos ficar sem comida ? que realmente podemos nos abster do sexo sem pagar um alto preço ? Que em nome da espontaneidade deixaremos de ter rotinas limitadoras, modeladoras ? Ah! Esta minha pulsão me leva para algo grandioso, delirante, faminto de originalidade. Lembro cenas da minha infância. Era um menino de oito anos, cheio de energia e pretensões fantasiosas. Estas pretensões me levaram a tomar uma atitude louca. Enfiei o dedo na "tomada de luz". Antes de cair atordoado gritava: - Sou diferente! Sou diferente! Claro, minha fisiologia venceu minha pretensão! Não fui preparado pela natureza para aguentar 220 volts. Lembro ainda que, após assistir o seriado Batman, aquele dos anos 80 - na realidade era dos do final dos anos 60! - cheio de onomatopéias coloridas, subi no telhado de casa e me atirei gritando: - Sou o Batman! Ganhei contusões e inchaços. Idéias barradas pelas limitações da fisiologia, do meu corpo. O legal foi poder vivenciar esta minha limitação. Nunca mais tentei enfiar o dedo na tomada e muito menos pular de cima da casa. Entendí que não posso fazer tudo o que quero. Esta é uma certeza: que todas as ações tem limites. Veja, por exemplo, os esportes radicais . Eles são radicais porque o limite de segurança foi reduzido ao ponto de aumentar o risco de morte. A sensação da possibilidade de arriscar a vida é o que motiva. Saltar de um penhasco gera adrenalina porque todo o teu corpo se coloca em posição de preservação extrema da vida. Não é uma desobediência a uma regra estabelecida e sim, um teste de nossos limites. Não podemos nos enganar. Ficar 15 dias sem comer é o máximo atingido. No "base jump" o máximo é pular de paraquedas com mínimo de altura e não sem eles. Estes limites estão visíveis para aqueles que sabem olhar a realidade. Olhar a realidade não é para todos.
Silêncio. Ela se vira e permanece voltada para a paisagem que passa pela janela do ônibus. Campos verdes com pequenas flores amarelas espalhadas por todo campo. Estavamos no período de entresafra.
- Meu pai disse-me que quando brotam estas flores amarelas nos campos verdes é sinal de fome, miséria. Deve-se esperar pela novo período de preparo e plantio.
Foi a ultima coisa que escutei. Distanciei-me. Logo, mio diavolo já estava outra vez aprontando na minha mente.
Veio a Filosofia, através desde estado, pobremente explicável, que é a curiosidade ou admiração . Ambos um estado emocional. Através destes sentimentos vieram os primeiros escrutadores que aprenderam a ler a realidade. Alguns séculos mais tarde começaram a testá-la. Francis Bacon cunhou a frase: "O mundo é o livro que precisa ser lido". Quando nos deparamos com uma contradição, - por exemplo, "sou livre mas estou limitado por leis" -, esta gera mal estar que chama-se, no campo da Psicologia de conflito. Na Lógica e no Direito possui o nome de "antinomia". Agora no campo da psicologia pergunto como este princípio se manifesta na relação Sujeito e Objeto. A unica certeza que dispomos é que esta relação existe. O que me lembra de mais uma pensador chamado Ortega y Gasset que sintetizou esta relação em uma frase: "Eu sou eu e minhas circunstâncias". Veja bem, se temos o principio da antinomia atuando sobre a relação entre Eu e o Objeto algo deve acontecer. Como explicar a liberdade diante das prisões ? Como explicar a morte diante da vida ? Como explicar a espontaneidade diante da disciplina ? Percebe-se então que o mal estar nasce de uma necessidade de entendimento. E o caminho para tal começa na aceitação de que nossas escolhas, nossos projetos estão submetidos a uma série de circunstâncias de caráter positivo/negativo e que, senão aplicarmos um dos métodos filosóficos, neste caso a dialética, iremos sofrer a frustração. Ou seja, não escapamos da leitura de uma teoria para compreender a realidade. Também a teoria não escapa da conclusões de nossas experiências. Teoria e Experiência se completam.
Ela olha pela janela do ônibus em movimento e distante exclama:
- Johannes, você continua se iludindo!
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