terça-feira, 19 de novembro de 2013

Platão testa meu ceticismo


Ao me deparar com a obra de Platão despertou em mim desejo de que o mundo das ideias pudesse ser comprovado, mas não.  O rigoroso raciocínio platônico sucumbe diante da afirmação feita por Kant, no livro “Prolegômenos a toda metafísica futura,  de que é impossível acessar a coisa em si. Platão ao propor utilizar  o logos (razão) como ferramenta para acessar o mundo das ideias, de ter acesso somente pelo intelecto ao um mundo perfeito, original, é limitado pela afirmação kantiana.  Ao escrever, Platão atinge a excelência literária porque utiliza o método dialético (diálogo: investigação que parte de opiniões prováveis ou plausíveis), o que gera prazer ao leitor e o desejo de que o mundo das ideias pudesse ser provado. Por mais que eu tente realizar este desejo ficarei insatisfeito.  Ao falar sobre Platão acabo falando sobre mim. Porque quem escreve é um ser humano, dono de um cérebro, local onde se encontra a consciência, formada por sensações, percepções, sentimentos e razão. Então como se dá o conhecimento? Para investigar precisei, ao ler Platão, perguntar sobre como é possível a matemática. Quero dizer, como é possível a mente humana criar uma série de símbolos, regras e operações que permite a descrição da realidade?  Pois a soma 2 + 2 será sempre a mesma em qualquer tempo e em qualquer lugar do planeta. Isto significa que temos dois elementos básicos para o conhecimento: espaço e tempo.  A raça humana se extinguirá e o conhecimento (matemático, algébrico, geométrico, etc.) permanecerá, ali, latente, a espera de ser descoberto pela próxima forma de vida inteligente que tenha sensibilidade espacial e temporal.  Kant, no mesmo livro, “Prolegômenos a toda metafísica futura”, faz esta pergunta e conclui que a matemática nasce da intuição sensível e que não poderia ser de outra forma. Sob a ótica da teoria da evolução das espécies de Charles Darwin pode-se assumir que o primeiro humano, ao observar o movimento do sol, deu início a evolução da percepção, gerando assim, a noção do tempo. A percepção do espaço nasce juntamente com a percepção de si em relação aos objetos ao alcance da mão.  A base para a criação de uma linguagem está fundada em nosso corpo. Aristóteles afirmava que o conhecimento passa pelos sentidos.  Esses conceitos foram testados e aprovados por experiências feitas com chimpanzés e com seres humanos recém nascidos. A Psicologia e a Medicina, através da Neurociência e a Filosofia, através da Filosofia da Mente, confirmam as observações de Aristóteles e Kant. Atualmente estas disciplinas buscam entender o funcionamento da “percepção” na aquisição do conhecimento. Ver o artigo de Andréa Olimpio.
O que Platão tem haver com isso? Tudo. Ele é provocador, destemido e profundo. Sua investigação através da Teoria do Mundo das Ideias, da Teoria das Reminiscências, base para uma teoria do conhecimento, possui um baú sem fundo de imaginação e fantasia.  Pelo contrário Platão extrai desse conhecimento atributos como infinito (números podem ser organizados e contados de maneira que jamais se chegará a um fim), presenciais ou de permanência (o que me permite brincar: se a raça humana se extinguir a linguagem matemática pode ser resgatada; ou se for expressa por uma nova linguagem sem modificar seus conteúdos; ou ser descoberta, com a possibilidade da nova forma de vida inteligente chegar a conclusão que eles são os primeiros a possuir essa linguagem). Platão legou a humanidade problemas sobre a linguagem que nos incomodam ainda hoje e que não sairão da praça por muito tempo.  Um dos problemas é o de dar nomes as coisas e atribuir seus predicados. Para tanto é preciso conhecer a coisa ou objeto a que se refere. Platão dirá que isso é início da filosofia, ou seja, aquilo que se diz e aquilo que se diz daquilo que é dito.[1] Platão testou meu ceticismo através da arte da literatura e da reflexão filosófica. Pensador, filósofo, matemático, político, professor, este homem permanece nas discussões atuais pelos temas pertinentes como política, linguagem, método de investigação. Mas sua habilidade literária precisa também ser reconhecida como porta de acesso ao encantamento capaz de suscitar no leitor o desejo que este mundo ideal exista. A 2500 anos o aspecto literário da obra filosófica de Platão continua a nos seduzir, permitindo assim, uma licença ao engano. Engano tolerável, permitido dentro da arte literária.  


[1] Auroux, S. Filosofia da Linguagem. São Paulo: Parábola, 2009. Pág. 12.

Nenhum comentário: